Desde o aparecimento do já cansado e moribundo CD, discute-se a qualidade da gravação digital quando comparada com a analógica.
É sabido que o sistema digital não consegue desenhar a onda sonora com a mesma perfeição do sistema analógico. Os defensores digitais acreditam que a deficiência em desenhar a onda em sua plenitude não é identificada pelo ouvido humano, principalmente quando usadas taxas de amostragem altas como 96khz ou 192khz. Já os do lado analógico, acham que o ser humano sente a diferença sim, e por isso quando se ouve um disco de vinil, teria-se uma sensação de maior conforto e prazer auditivo.
É uma discussão bem antiga e os dois lados trazem argumentos bem consistentes. CDs apresentam uma relação sinal/ruído muito mais satisfatória, além de uma tolerância dinâmica muito mais ampla. Já o vinil apesar de reproduzir um som não convertido numericamente, é fruto de um processo cheio de etapas mecânicas que conferem uma certa quantidade de ruído ao produto final, além de suportar uma amplitude dinâmica bem menos ampla.
Por ter iniciado minha carreira no começo dos anos 80, eu tive a sorte de participar de gravações analógicas e acompanhar toda a revolução digital.
Para se ter uma ideia do quanto se evoluiu, lembro-me de uma gravação do D’Alma, onde para conseguirmos um reverb mais duradouro, colocamos uma caixa acústica dentro de um piano de cauda, e na outra extremidade um microfone, ao mesmo tempo em que um peso mantinha o pedal de sustentação abaixado. Desta forma, o som de nossa gravação excitaria os harmônicos das cordas livres do piano, que passariam a vibrar por simpatia e gerariam um efeito similar ao do reverb. Hoje se consegue resultados muito melhores com um simples plugin.
No inicio das gravações digitais, usava-se uma máquina de video cassete com conversor de audio, e precisávamos gravar tudo em apenas dois canais, como no inicio da era das gravações. Gravei assim meu primeiro disco – Alguma coisa a ver com o silêncio.
As coisas mudaram demais!
Confesso que já não pensava mais no assunto quando recebi o convite de Michael Fetcher, o dono do Flavored Tune, um selo alemão totalmente comprometido com a gravação analógica, para gravar e lançar um trabalho solo em disco de vinil. Vi nesse convite a possibilidade de fazer uma pequena viagem no tempo, e refletir um pouco mais sobre essas diferenças.
No dia 7 de fevereiro de 2018, com 4 graus abaixo de zero e neve pra todo lado, cheguei na casa do Michael e as surpresas já começaram na porta de entrada.
A casa é uma pequena obra prima arquitetônica, projetada especialmente para um fanático por som. Todas as paredes e o teto são revestidas por uma madeira branca, uma variante do “abeto”, aquele que se usa para fazer tampos de violão, e não há ângulos retos em nenhuma junção. As portas são preparadas para a passagem de cabeamento até mesmo as dos banheiros.
Logo a ficha caiu. Eu estava numa casa estúdio. Apesar de a técnica estar localizada no andar inferior, era possível usar todos os cômodos da casa para gravar e assim contar com uma boa variação de características acústicas, dependendo de qual cômodo seria escolhido para gravar. Até os banheiros entram no jogo.
Não é preciso dizer que o Michael é extremamente caprichoso, e ali eu tive certeza de que o resultado sonoro seria realmente muito bom.
Resolvemos usar uma sala mais seca, sem muita reverberação, com o som captado por um “set” misto de microfones, envolvendo dois condensadores e um de fita.
Microfones condensadores são geralmente muito mais sensíveis e apurados o que pode ajudar ou atrapalhar já que evidenciam tudo inclusive os defeitos do instrumento e da técnica do instrumentista. Já os de fita, são menos sensíveis mas mostram um som mais próximo daquele que ouvimos quando estamos tocando, o que ajuda muito no processo final.
Um dos condensadores e o de fita , ambos cardióides, foram colocados lado a lado na mesma posição , em frente ao tampo do violão, e o segundo condensador em figura 8 entre os outros dois, um pouco mais ao alto e distanciado.
Um microfone com padrão polar “cardióide”, capta preferencialmente o som vindo da frente. o padrão polar ajustado para figura 8 capta o som vindo de duas direções opostas.
A escolha desse “set” de microfones, foi feita para que se tivesse duas opções em termos de timbre do som principal oriundo da parte frontal do violão, ao mesmo tempo que se poderia captar a reflexão sonora vinda das laterais pelo microfone ajustado para figura 8.
O som veio pronto, com bastante definição e sensação espacial.
Foi necessário apenas um pequeno ajuste dos volumes relativos de cada microfone para se obter o melhor que cada um tinha para oferecer.
O meu cronograma de concertos estava bem apertado e por isso gravamos tudo apenas em um e cansativo dia.
Dentro de alguns meses, sai pela Flavored Tune meu mais novo trabalho, em um velho disco de vinil.
Se o som será ou não melhor do que o do CD eu ainda não sei, mas uma coisa . certa - está na hora de eu comprar o bom e velho toca-discos, o famoso “pickup” de outrora - e assim escutar o meu “White Wood” , como será chamado no mercado europeu. “White Wood” foi dedicado a maravilhosa experiência de gravar num local totalmente dedicado ao som de verdade.
Achei preciosos suas considerações técnicas sobre o processo analógico versus o digital e até mandei uma letra:
https://avi.alkalay.net/2023/06/digital-versus-analogico.html
Ulisses como faço para ouvir o Madeira Branca e o Soul Colors? Não encontro em nenhuma plataforma e contem composições inéditas para mim.
Obrigado
Avi Alkalay
Eu sou totalmente pelo digital. Tão totalmente que acho o CD (o plástico) uma etapa mecânica desnecessária e já nem tenho mais onde tocá-lo.
Feliz por possuir o cd " Alguma coisa a ver com o silêncio" Manufacturado na Áustria, com capa diferente.