Foi lançado hoje um e-book com a história do "Solo", o primeiro disco duplo de violão solo gravado no Brasil, de André Geraissati.
O André foi meu parceiro do D'alma, idealizador e produtor do maior projeto de música instrumental da história do país, o "Banco do Brasil Musical" e padrinho de casamento ou seja, amigo irmão.
Fui convidado por ele para escrever o prefácio, o que me honrou demais. Ao escrever o texto, fui relembrando as tantas aventuras que vivemos juntos e achei que seria interessante compartilhar com vocês.
Para quem tiver interesse, segue o link do e-book:
Segue o prefácio
Estava lá eu tocando guitarra no salão de casa quando ouvi o Antonino me chamando:
- Traz a guitarra e vamos tocar um pouco
O Antonino, meu vizinho de fundos, era da idade de meu pai e adorava jazz. Isso foi lá por 1976, eu estava com 15 anos e não sabia nada de jazz. Na verdade, eu tinha uma boa técnica, mas meu conhecimento teórico e harmônico era muito limitado.
Nos primeiros minutos tocando com ele, ficou bem claro que eu era de uma outra tribo. Foi quando ele se ofereceu para me levar à escola de música onde ele estudava e eu aceitei.
A escola era o CLAM, administrada pelos músicos de Zimbo Trio, sendo uma das mais importantes do país e um verdadeiro ponto de encontro musical. Muitos dos grandes músicos de minha geração estudaram lá.
Fui aluno e, mais tarde, professor do CLAM. Foi lá que a minha vida musical verdadeiramente começou.
Mas porque eu estou contando essa história?
A resposta é simples: foi lá que eu conheci o André, um artista único que em pouco tempo passou a ser o meu irmão 10 anos mais velho.
Compartilhamos uma grande parte da nossa história artística e pessoal a partir do dia em que tomamos o primeiro café na cozinha da escola. Nos intervalos das aulas a cozinha era o “point” onde eu encontrava Léa Freire, Nico Assumpção, Teco Cardoso, André Cristovam, Michel Freidenson, Eliane Elias, o pessoal do Zimbo e tantos outros.
O D’Alma nasceu lá e tenho tantas histórias para contar que 1000 páginas de um livro não seriam suficientes. Mas isso é outra história.
É a partir daqui que eu quero falar do André.
Tomávamos café em todos os intervalos de aulas, o que me valeu uma bela gastrite depois de alguns anos dessa prática. Íamos juntos a todos os concertos importantes da época.
Uma vez fomos ao provavelmente, primeiro festival internacional de Jazz do Brasil, o “São Paulo-Montreux Jazz Festival” e ao assistirmos o show do Larry Coryell e Philip Catherine ouvi o André resmungar:
- Vou fazer o primeiro trio de violões nesse estilo. Nasce aí a ideia de criar o D’Alma.
O André era e continua sendo um inquieto com uma inteligência muito acima da média. Essas duas características guiaram seus passos pela estrada da criação, não apenas musical, mas também de horizontes novos para a música instrumental brasileira.
O D’Alma revolucionou o olhar sobre o violão brasileiro, ganhou prêmios, participou de importantes festivais na Europa e América do Norte. Participei da segunda formação do trio e posso assegurar que havia uma mágica ali.
Algum tempo depois da dissolução do grupo, o André parte para carreira solo e mais tarde cria o Tom Brasil/Banco do Brasil Musical, certamente o maior projeto de divulgação da música instrumental brasileira.
Ele estava sempre um passo à frente e todos os seus trabalhos como artista e produtor, além de inusitados, traziam sempre a marca da autenticidade.
Mas o foco aqui é o “Solo”, o primeiro disco duplo de violão gravado no Brasil.
O André já tinha vários trabalhos geniais em sua discografia, mas ele queria mais, e sua inquietude o levou a desenvolver esse trabalho tão único. Ele cuidou de tudo, das composições ao processo de gravação. Além de músico de alta performance, ele sempre teve um profundo conhecimento do funcionamento dos estúdios, sabia captar o melhor som e criar as ambiências necessárias para que sua música fosse o mais expressiva possível.
Eu assisti a algumas das sessões da gravação deste trabalho e percebi rapidamente que estava para acontecer a realização de um sonho maduro e complexo. Eu nunca havia visto o André tão concentrado, positivo e leve. Ele estava em comunhão com o universo e sabia que estava desenhando naquele momento algo muito especial, uma obra prima.
“Ninguém se senta para escrever uma obra prima”.
O André sempre repetia essa frase quando me percebia confuso ou em dúvida sobre meu caminho musical. Por ser dez anos mais velho do que eu, de tempos em tempos ele assumia a posição de mentor e me passava muito do seu conhecimento de vida. Muito do que sou hoje devo a essas conversas durante nossas viagens. Mesmo repetindo essa frase como um fundamento, ele próprio a desrespeitou na hora de gravar o “Solo”. O André literalmente se sentou para fazer uma obra prima, sabendo que esse trabalho seria um marco na história da música instrumental brasileira e, acima de tudo, um marco na sua própria carreira. Nesse trabalho, ele, o violão e a retóricas fundiram-se em uma coisa só.
Vale dizer que o André nunca foi um estudioso formal da música. Ele veio de uma matriz roqueira e fazia questão de não se deixar contaminar pela informação teórico/harmônica pois sabia que o mais importante era a expressão.
Talvez por não se deixar escravizar pela formalidade, nunca teve medo de arriscar novos caminhos e, assim, de projeto em projeto, construiu um legado que tem sido referência para as gerações que vieram depois dele.
A iniciativa de contar a história do “Solo” em um E-book traz a possibilidade de se mergulhar no labirinto emocional entranhado em suas composições e interpretações. É como observar as estrelas não através de um telescópio, mas sim, flutuando por entre elas lá no alto, onde a gravidade não se faz mais presente.
Me considero uma pessoa de muita sorte por ter acompanhado não apenas o processo de criação envolvido nesse trabalho, mas por participar, como um satélite, da vida de um artista que tantas portas abriu para os músicos de minha geração e para a música brasileira.
Ulisses muito bom o prefácio sobre o André Geraissaiti!!! A 1a vez que ouvi o som dele, onde usa afinações diferenciadas, foi num daqueles shows ao vivo e gravação do álbum violões no começo da década de 1990, e depois conheci alguns discos do D'alma na discoteca da biblioteca da Eca-Usp, em São Paulo. Aliás falando em trio, vendo a lindeza do duo do Marco Pereira e Paulo Bellinati , pensei "tá faltando o Ulisses aí pra ficar perfeito!!!". Nossa já pensaram nisso? Os 3 tem uma trajetória parecida no violão instrumental brasileiro, são compositores e exímios intérpretes, além de uns baita de improvisadores!!! Iriam gerar coisas lindas com certeza, os improvisos compostos iriam acrescentar substancialmente nas obras tocadas, on…